“Compensação ambiental: acerto do Supremo Tribunal Federal’’, artigo de Bruno Campos Silva, publicado no Portal Conjur, cita o artigo ¨Fatores de risco da cota de reserva ambiental”, de autoria do Sócio Sênior João Emmanuel Cordeiro Lima.
Em recente julgamento (em plenário presencial) dos embargos de declaração interpostos no procedimento das ações provenientes do controle concentrado de constitucionalidade (ADC 42, ADI’s 4901, 4902, 4903 e 4937), tendo por objeto dispositivos legais do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2021), no último dia 24 de outubro, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, com a relatoria do ministro Luiz Fux, resgatou, em boa hora, a ideia de se utilizar o termo “bioma” para otimizar e, com isso, viabilizar a efetiva compensação ambiental em se tratando de áreas relativas às RFL’s (Reservas Florestais Legais).
A decisão proferida pela Corte Suprema, não só trouxe estabilidade ao ordenamento jurídico como imprime, sem sombra de dúvidas, previsibilidade com a consequente segurança jurídica à utilização do instituto da compensação ambiental e seus respectivos efeitos.
Importante ressaltar que a mencionada decisão trará, por certo, benefícios a diversos setores e, segundo pensamos, ao próprio meio ambiente, haja vista que “consertou” o emprego de terminologia (identidade ecológica) antes (fixada em decisão) inadequada à solução de inúmeros problemas.
Cumpre destacarmos que, em outro breve ensaio, já havíamos traçado algumas pequenas críticas à utilização da terminologia “identidade ecológica” (fixada quando do julgamento em plenário virtual), aliás, inventada e desprovida de rigor técnico e científico, salvo melhor juízo.
De mais a mais, observa-se que o disposto nos artigos 48, § 2º e 66, III, § 5º, IV e § 6º, II, do CFlo (Código Florestal — Lei nº 12.651/2021) não traz, ou melhor, não faz qualquer menção à “identidade ecológica“, e não seria adequado, portanto, ao Poder Judiciário, em sua função, determinar o que seria a tal da “coincidência” ecológica.
Compensações ambientais
Se fosse fixada a “identidade ecológica” como mais uma condicionante às compensações ambientais, já que o critério “bioma” seria mais abrangente, por certo, enormes prejuízos seriam deflagrados, por exemplo, a utilização das CRA’s (cotas de reserva ambiental) restaria comprometida,[1] inviabilizando operações benéficas inclusive ao próprio meio ambiente.
Em outra oportunidade, em que tecidas observações acerca do julgamento no STF das ações relativas ao controle concentrado de constitucionalidade, anteriormente, ao recente julgamento dos embargos de declaração, resumidamente afirmamos que “(…) já foram julgadas pelo STF, entretanto, pendentes ainda de recurso de embargos de declaração interposto por partido político (Partido Progressista) e pela Advocacia Geral da União — AGU na ADC nº 42/DF, cujo objeto pretende esclarecer a extensão e o alcance do termo “identidade ecológica” utilizado como (mais um) critério pelo STF ao argumento de que o termo bioma seria por demais abrangente.
Ao analisar e julgar a constitucionalidade dos dispositivos legais inerentes às CRA’s, o Supremo reconhece a importância e a funcionalidade deste relevante instrumento econômico para o direito ambiental, todavia, enfraquece a sua funcionalidade e abre as portas para incertezas prejudiciais àqueles que pretendem adquirir a CRA, enfim, ao próprio mercado com reflexos inclusive em seus aspectos ambientais.
Acontece que, ao estabelecer os parâmetros interpretativos, o STF, ao invés de fixar o “bioma”, trouxe que a área geradora da CRA deverá estar no mesmo bioma da área deficitária de reserva legal e, também, guardar “identidade ecológica” com a referida área geradora. Veja-se: uma área rural X (com superávit de reserva legal) dá origem à CRA e uma área Y (com déficit de reserva legal) necessita de ser complementada (por intermédio da compensação ambiental). No entendimento do STF, a compensação ambiental somente seria viável se, além de estar no mesmo bioma, a área Y possuir identidade ecológica com a área X.” [2]
Nesse aspecto, caso fosse mantido o critério da “identidade ecológica”, aquele que pretendesse utilizar do instrumento econômico ambiental (CRA — cota de reserva ambiental) estaria em evidente risco (insegurança jurídica), haja vista que apesar de estar dentro do mesmo “bioma“ poderia ser surpreendido com uma ausência de “coincidência” ecológica, o que, sem sombra de dúvidas, frustraria a funcionalidade deste instrumento econômico, com incontestes prejuízos não só financeiros como também ambientais.
Segundo João Emmanuel Cordeiro Lima, antes do julgamento dos mencionados embargos de declaração:
“[…] há um risco real de que o interessado adquira uma CRA no mesmo bioma pensando que servirá para atender a sua necessidade de compensação e depois seja surpreendido com a notícia de que ela não será aceita, pois o título não possui identidade ecológica com a área que pretendia compensar. Note-se que as próprias disposições do Código Florestal que fixam o conteúdo do título para permitir sua identificação e livre circulação, assim como seu regulamento, não consideram a ideia de identidade ou mesmo equivalência ecológica, exigindo que se indique na CRA apenas informações sobre o bioma e a situação da vegetação (arts. 45, § 2º, IV e 46 do Código Florestal e art. 13, VI e VII do Decreto Federal no 9.640/2018). Dependendo do que se entenda por identidade ecológica, esses dados podem ser insuficientes para que o interessado saiba se o título servirá para compensar sua deficiência em Reserva Legal, obrigando-o a buscar informações adicionais sobre a área vinculada ao CRA, o que poderá tornar o processo de compra e venda burocrático e lento, justamente o que se queria evitar com a adoção desse instrumento econômico.” [3]
Identidade ecológica
Pela interpretação anterior dada pelo STF, a área além de estar dentro do mesmo bioma deveria atender ao critério da “identidade ecológica”. O que seria a tal identidade ecológica? Quem definiria esta expressão? Identidade = coincidência? Mas, por exemplo, um espécime vegetal não seria diferente do outro (v.g., nem sempre possuem a mesma quantidade de nutrientes, quantidade de acúleos, quantidade de folhas, quantidade de espinhos)? [4] Como aferir e chegar à exata identidade ou digital de um espécime para outro? Na verdade, a nosso ver, o referido critério traria mais dúvidas e desencontros do que soluções adequadas às compensações ambientais.
Já havíamos manifestado:
“O melhor, ou, a melhor interpretação teria sido aquela preservando o parâmetro locacional bioma, eis que se prevalecer o critério técnico identidade ecológica, a funcionalidade da CRA, com certeza, restará comprometida, e, com isso, a segurança jurídica, uma vez que aqueles proprietários/possuidores de áreas deficitárias de Reserva Legal ficarão receosos no ato da aquisição da CRA, sem considerar aqueles que, após a aquisição da CRA, percebam que, apesar do preenchimento do critério locacional, a sua área não possua identidade ecológica com a área geradora da cota [5]. Na verdade, o ideal seria o STF, após a efetiva análise e julgamento do mencionado recurso de embargos de declaração, esclarecer e, ao mesmo tempo, fixar o termo (critério mais amplo) bioma, o qual será menos traumático para o meio ambiente e para os envolvidos em sua proteção/conservação (proprietários/possuidores de áreas rurais com superávit e déficit de percentual de Reserva Legal).” [6]
Portanto, em prol da segurança jurídica e pertinência ao desenvolvimento sustentável, o mais consentâneo, mesmo, é o reconhecimento à utilização do termo “bioma” já definido e exigido por lei (a exemplo do CFlo — Código Florestal), abandonando-se o critério da “identidade ecológica”, ou seja, as compensações devem ser operacionalizadas dentro do mesmo bioma (metodologia e critério a serem utilizados), por várias razões técnicas (não jurídicas e jurídicas).
[1] Verificar: SILVA, Bruno Campos. A cota de reserva ambiental (CRA): aspectos conceituais e funcionalidade no atual regime jurídico. In: FARIAS, Talden; ATAÍDE, Pedro (Organização). Direito ambiental econômico: instrumentos econômicos de política ambiental. Editorial Clube de Autores, 2021. E, também: LIMA, João Emmanuel Cordeiro. Fatores de risco da cota de reserva ambiental. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27915675_FATORES_DE_RISCO_DA_COTA_DE_RESERVA_AMBIENTAL.aspx. Acesso em: 27 out. 2024. Detalhe: os referidos textos foram escritos antes do julgamento dos embargos de declaração, ocorrido no último dia 24 de outubro de 2024.
[2]Antes mesmo do julgamento do recurso de embargos de declaração, ocorrido no último dia 24 de outubro de 2024, já havíamos escrito texto em que foram destacadas algumas pontuais críticas à decisão do STF: SILVA, Bruno Campos. A cota de reserva ambiental (CRA): aspectos conceituais e funcionalidade no atual regime jurídico. In: FARIAS, Talden; ATAÍDE, Pedro (Organização). Direito ambiental econômico: instrumentos econômicos de política ambiental. Editorial Clube de Autores, 2021.
[3] LIMA, João Emmanuel Cordeiro. Fatores de risco da cota de reserva ambiental. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27915675_FATORES_DE_RISCO_DA_COTA_DE_RESERVA_AMBIENTAL.aspx. Acesso em: 27 out. 2024.
[4] Verificar: SILVA, Bruno Campos. O retorno ao status quo ante em matéria ambiental – falácia? Uma breve reflexão. In: https://juridicamente.info/o-retorno-ao-status-quo-ante-em-materia-ambiental-falacia-uma-breve-reflexao/ Acesso em: 27 out. 2024.
[5] Com o mesmo raciocínio: “[…] há um risco real de que o interessado adquira uma CRA no mesmo bioma pensando que servirá para atender a sua necessidade de compensação e depois seja surpreendido com a notícia de que ela não será aceita, pois o título não possui identidade ecológica com a área que pretendia compensar. Note-se que as próprias disposições do Código Florestal que fixam o conteúdo do título para permitir sua identificação e livre circulação, assim como seu regulamento, não consideram a ideia de identidade ou mesmo equivalência ecológica, exigindo que se indique na CRA apenas informações sobre o bioma e a situação da vegetação (arts. 45, § 2º, IV e 46 do Código Florestal e art. 13, VI e VII do Decreto Federal no 9.640/2018). Dependendo do que se entenda por identidade ecológica, esses dados podem ser insuficientes para que o interessado saiba se o título servirá para compensar sua deficiência em Reserva Legal, obrigando-o a buscar informações adicionais sobre a área vinculada ao CRA, o que poderá tornar o processo de compra e venda burocrático e lento, justamente o que se queria evitar com a adoção desse instrumento econômico”. (LIMA, João Emmanuel Cordeiro. Fatores de risco da cota de reserva ambiental. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27915675_FATORES_DE_RISCO_DA_COTA_DE_RESERVA_AMBIENTAL.aspx. Acesso em: 27 out. 2024).