O sócio sênior João Emmanuel Cordeiro Lima convida a pensar na implementação do Protocolo de Nagoia em artigo publicado no Estadão.
8 de julho de 2020 deve ser lembrado como um dia histórico para a conservação e uso sustentável da biodiversidade no Brasil.
Após 8 anos de espera, a Câmara dos Deputados aprovou o Protocolo de Nagoia, impulsionando o processo de ratificação desse importante acordo internacional. Seguindo o que estabelece a Constituição Federal, o texto agora seguirá para análise do Senado Federal e, se aprovado, permitirá que o País finalmente ratifique o Protocolo. Considerando os consensos já construídos para a sua aprovação Câmara, a expectativa é que isso ocorra rapidamente e o País volte a ter um papel de liderança nesse tema.
Não é pra menos. O Brasil é o país com maior diversidade biológica do mundo. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, abrigamos 20% do total de espécies do planeta. São mais de 103.870 animais e 43.020 vegetais já catalogados e espalhadas pelos nossos seis biomas e três grandes ecossistemas marinhos, sem contar os inúmeros outros organismos. Com todos esses atributos, fica claro que falar em um acordo voltado à conservação biodiversidade sem o Brasil não faria muito sentido, por isso diversos setores trabalharam intensamente junto ao Congresso para garantir a sua aprovação.
O Protocolo de Nagoia é um instrumento jurídico criado com o objetivo de dar maior efetividade a um dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica: a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a eles associados. A ideia é que ele sirva como gatilho para fomentar a conservação e uso sustentável da biodiversidade, viabilizando a transferência de benefícios – que podem ser monetários, como a repartição de lucros, ou não monetários, como a transferência de tecnologia – entre usuários de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais (ex. uma empresa de cosméticos) e aqueles que os proveem (ex. países como o Brasil), e que estão mais diretamente ligados à sua conservação.
A expectativa em torno do acordo é grande. Apesar de a Convenção sobre Diversidade Biológica ter sido adotada há quase 30 anos, na Rio-92, os seus resultados como instrumento de conservação da biodiversidade não são os melhores. Para se ter uma ideia, um relatório divulgado pela ONU, em 2019, indicou que as atividades humanas ameaçam mais espécies atualmente do que nunca e que um milhão delas corre sério risco de extinção se nada for feito. Nagoia vem como mais uma tentativa de combater esse processo.
O Protocolo já está em vigor em âmbito internacional desde outubro de 2014 e conta atualmente com nada menos do que 124 partes. Parceiros relevantes do Brasil como China, União Europeia, Japão e Argentina, por exemplo, já são parte do acordo. Assim, o maior desafio atualmente não é mais convencer os países a ingressar nesse clube, mas sim o de conceber e implementar as medidas necessárias para assegurar que ele saia do papel e atinja a sua finalidade.
Para que cumpra a parte que lhe cabe nessa equação, o Brasil precisará promover uma atuação coordenada do governo, setor empresarial, academia e comunidades tradicionais para transformar o texto aberto do Protocolo em medidas concretas.
O setor empresarial, por exemplo, terá um papel importante no mapeamento dos efeitos do Protocolo sobre os seus negócios e na criação de mecanismos para assegurar sua implementação. Medidas como o identificação da origem de espécies utilizadas em pesquisa e desenvolvimento e a criação de sistemas de compliance que permitam a realização de um mapeamento das obrigações a serem cumpridas para garantir sua regular utilização – que podem ir desde a obtenção de licenças/autorizações até a repartição de benefícios – deverão ser incorporadas aos negócios.
O governo, por seu turno, deverá tomar decisões importantes relacionadas à forma de cumprimento das obrigações assumidas no Protocolo. Questões como definição dos pontos de verificação para assegurar o cumprimento das regras de acesso e repartição de benefícios estrangeiras e das informações que deverão ser fornecidas pelos usuários nesses locais ainda estão em aberto. A necessidade do desenvolvimento de ações com o objetivo de capacitar os nacionais para cumprimento do Protocolo também é algo que merece ser olhado com atenção. A construção de parcerias com entidades como a CNI e a CNA, que se destacaram na defesa da ratificação, pode ser um caminho promissor. Tudo isso, é claro, precisa ser feito com cuidado para garantir o cumprimento do acordo se dê sem prejudicar o ambiente de negócios no País.
Enfim, a aprovação do Protocolo de Nagoia é louvável e deve ser celebrada como um marco importante que recoloca o Brasil no centro de uma dos mais importantes tratados voltados à conservação da biodiversidade. Passado o momento comemoração, será hora de trabalhar para que ele seja adequadamente implementado e seu objetivo alcançado.
*João Emmanuel Cordeiro Lima é sócio do escritório Nascimento e Mourão Advogados e professor de Direito Ambiental.