Em novembro deste ano será realizada em Glasgow, na Escócia, a 26ª Conferência de Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. O evento reunirá os principais líderes mundiais para debater as mudanças climáticas e as ações necessárias para enfrentar este que é seguramente o maior problema ambiental do nosso tempo.
Internamente, o Congresso Nacional tem avançando na discussão de temas relevantes para essa agenda. Nesse sentido, uma das iniciativas que vem recebendo maior atenção é o Projeto de Lei nº 528/2021 (“Projeto”), de autoria do Deputado Federal Marcelo Ramos, que pretende regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).
O MBRE está previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela Lei Federal nº 12.187, desde 2009. Essa Lei incluía entre os seus objetivos estimular o desenvolvimento do MBRE e estabelecia que ele seria operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dariam a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.
Contudo, até o presente momento, não há uma regulamentação detalhada sobre o funcionamento desse mercado, o que limitou o seu desenvolvimento. Visando suprir essa lacuna, o Projeto, na forma do substitutivo aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, aborda uma série de temas importantes para viabilizar esse mercado, os quais podem ser resumidos nos tópicos abaixo:
1. Definições: buscando garantir uma compreensão comum e segura do seu próprio texto e de outros instrumentos relacionados às transações realizadas neste mercado, define os seguintes termos: créditos de carbono, tonelada equivalente de carbono, ativos ambientais, padrão de certificação, reduções verificadas de emissões (RVE), emissão e registro de RVE, suspensão da RVE, cancelamento da RVE, retirada de RVE, compensação de emissões, mercado regulado, mercado voluntário, redução de gases de efeito estufa, remoção de gases de efeito estufa e programa de redução, remoção de gases de efeito estufa, mercado brasileiro de redução de emissões e sistema jurisdicional harmonizado.
2. Objetivos: define oito objetivos claros para o MBRE, merecendo destaque a preocupação com a garantia da segurança jurídica (objetivos I e V do art. 3º), a busca pela geração de valor (objetivos IV, VI e VII do art. 3º) e o fomento às atividades e projetos de redução e remoção de emissões (objetivo III do art. 3º).
3. Estruturação do mercado – créditos elegíveis: fim de garantir segurança e previsibilidade, o projeto indica as estruturas básicas do MBRE. Nesse sentido, estabelece como critério de elegibilidade para que um crédito de carbono possa ser negociado neste mercado (art.4º), a necessidade de que tenha sido emitido e certificado conforme padrões de certificação que atendam os requisitos fixados no Projeto.
4. Estruturação do mercado – sistema de registro: no mesmo sentido, para garantir a segurança e credibilidade das transações realizadas, evitando dupla contagem, garantindo que os créditos transacionados são apenas os elegíveis e criando uma base de contabilização nacional, prevê a criação do Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SNRI-GEE. O MBRE só reconhecerá e contabilizará os créditos de carbono e transações decorrentes que tenham sido registrados no SNRI-GEE.
5. Titularidade dos créditos: ainda na busca por segurança jurídica, o Projeto aborda a questão da titularidade dos créditos, estabelecendo que esses pertencem aos proprietários da terra e/ou empreendimentos responsáveis pela remoção ou redução de emissões de carbono. Além disso, trata especificamente das hipóteses envolvendo créditos gerados em unidades de conservação, assentamentos e terras indígenas.
6. Governança: o Projeto estabelece que o MBRE será administrado por uma instituição existente ou que venha a ser criada especificamente para essa finalidade. Essa instituição terá uma série de atribuições necessárias para assegurar uma governança adequada do mercado, tais como (i) o desenvolvimento ou validação de metodologias de mensuração de emissões e de sequestro para fins de certificação, (ii) o registro de projetos e programas de geração de créditos de carbono e compensação de emissões e o (iii) controle e contabilidade das transações nacionais e internacionais.
7. Programa Nacional obrigatório de compensação de emissões: de modo a induzir a efetiva implementação do MBRE, o projeto prevê a criação de um programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE. O texto fixa as linhas mestras do programa, indicando, por exemplo, que ele deverá basear-se nos setores da economia com maiores índices de emissão e com maior capacidade de remoção e compensação . Contudo, sua regulamentação detalhada é remetida à instituição responsável pela governança do MBRE. Vale lembrar que o Projeto prevê duas fases para adesão ao MBRE, uma voluntária, que durará pelos dois primeiros anos a partir de sua implementação, e outra mandatória, que se iniciará posteriormente.
8. Incentivo tributário: o projeto prevê um incentivo tributário para a implementação do MBRE ao indicar que as pessoas jurídicas de direito privado ficam isentas de pagamento dos tributos federais PIS, COFINS e CSLL nas transações nacionais no mercado voluntário de créditos de carbono.
9. Concessão florestal: outro ponto digno de nota é que o projeto altera a Lei de Concessões Florestais, Lei Federal nº 11.284/2006, para permitir a inclusão do direito de comercializar créditos de carbono no âmbito da concessão florestal. Atualmente, a legislação veda expressamente essa possibilidade para os créditos decorrentes da emissão evitada de carbono em florestas naturais.
O Projeto já teve parecer favorável da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, na forma do substitutivo apresentado, e agora será apreciado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Finanças e Tributação e Justiça e de Cidadania. Se aprovado nas comissões, seguirá para análise do Senado Federal, uma vez que tramita em caráter conclusivo.
Como qualquer projeto de Lei, é natural e esperado que ele passe por alguns aperfeiçoamentos importantes no curso de sua tramitação. Aliás, o próprio Deputado Federal Marcelo Ramos, autor do projeto e atual 1º Vice-Presidente da Câmara dos Deputados, em recente participação no evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria chamado de Mercado de Carbono e a COP 26, deixou claro que pretende aprofundar o debate e a construção de consensos sobre o texto na Comissão do Meio Ambiente, na qual ele está atualmente tramitando.
Dada a sua importância, é fundamental que o Projeto seja acompanhado de perto por todos aqueles que podem ser impactados pelas regras por ele instituídas, os quais certamente poderão apresentar contribuições por meio de suas entidades representativas. Isso vale tanto para os grandes emissores de gases causadores do efeito estufa, que possivelmente serão chamados primeiramente para reduzir ou compensar as suas emissões, como para os responsáveis pelo desenvolvimento de atividades menos intensivas em carbono, as quais devem ser fomentadas, direta ou indiretamente, pela regulação.
João Emmanuel Cordeiro Lima | joaoemmanuel@nascimentomourao.adv.br
Anita Pissolito Campos | anita@nascimentomourao.adv.br
Sócios Seniors da área de Direito Ambiental e Regulatório. Reconhecidos na área pelo renomado guia internacional Who’s Who Legal.
Luiza Almeida Ramos | luiza.ramos@nascimentomourao.adv.br
Sócia da área de Direito Ambiental e Regulatório.