Tese penal livra produtor de autuação ambiental
Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo aplicou norma mais benéfica ao infrator para fatos anteriores à publicação
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
Um proprietário rural de Campinas (SP) conseguiu, de forma inusitada, o cancelamento de um auto de infração por retirada de vegetação nativa da área onde desenvolvia a atividade comercial. Ao analisar a disputa, na Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado, os julgadores consideraram uma tese normalmente usada em litígios criminais: a aplicação retroativa de norma mais benéfica ao infrator.
No caso, o produtor rural foi penalizado por ter suprimido espécies nativas que cresceram na região em que ele explorava eucalipto. Além de aplicar advertência, o Estado embargou a área, o que impedia a continuidade da atividade econômica desde 2014.
A penalidade foi aplicada com base no artigo 53 da Resolução nº 32, de 2010, da Secretaria do Meio Ambiente. A norma prevê sanção a quem danifica qualquer tipo de vegetação nativa sem autorização prévia do órgão ambiental.
Mas, em 2016, durante o trâmite do processo administrativo, a pasta publicou uma alteração. Ao modificar a Resolução nº 48, de 2014, criou uma exceção. Passou a prever que ficaria “excetuada de qualquer penalidade a supressão da vegetação nativa do sub-bosque dentro de área regularmente explorada com plantio comercial florestal de espécies nativas ou exóticas”.
Em decisão recente, a Comissão Especial de Julgamento da Secretaria do Meio Ambiente aplicou essa nova regra – mais benéfica – para fatos anteriores à sua publicação. Servidores da secretaria e da polícia ambiental compõem o órgão julgador.
“Não obstante a normativa em questão ter sido elaborada em momento posterior a autuação, quando ainda vigia a Resolução SMA nº 32/2010, resgato o Parecer CJ nº 724/10 que ateste a possibilidade de novas normativas retroagirem caso beneficiem o réu”, afirma, na decisão, o relator Pedro Carlos Sztajn Lotfi (processo AIA nº 289744/2014).
Em nota ao Valor, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo informa que, desde 2016, com a modificação feita na Resolução nº 48/2014, as autuações relacionadas ao tema são avaliadas de acordo com o dispositivo. A resolução mais recente da pasta é a Sima nº 5, de 2021, que manteve o dispositivo.
Segundo advogados, a decisão da esfera administrativa chama a atenção por aplicar para fatos passados uma norma que beneficia o autuado em discussões ambientais. Trata-se de um princípio previsto na Constituição Federal, mas de aplicação ainda controversa em litígios relacionais ao meio ambiente.
“É uma tese bastante aplicada em processos penais e tributários. Mas na área ambiental ainda é alvo de discussão. Não é comum no Judiciário, muito menos no órgão administrativo ambiental”, afirma a especialista em direito ambiental e regulatório Renata Franco, que defendeu o produtor rural de Campinas. “Normalmente, aplica-se a norma mais favorável à proteção do meio ambiente”, acrescenta.
De acordo com João Emmanuel Cordeiro Lima, integrante da União Brasileira da Advocacia Ambiental e sócio do escritório Nascimento & Mourão Advogados, a discussão sobre a retroatividade de norma para beneficiar o autuado não é pacífica e há decisões nos dois sentidos na esfera administrativa.
“O direito sancionador penal e o administrativo têm a mesma raiz e o mesmo fundamento. Se a sociedade deixa de considerar a conduta um crime não faz sentido manter a penalização para quem cometeu o ato no passado”, diz Lima.
Alexandre Burmann, especialista do escritório Daniel Gerber Advogados, aponta que a corrente que rejeita a aplicação da tese para a área ambiental defende existir ato jurídico perfeito e não haver previsão específica em lei para o processo administrativo sancionador.
“Além disso, nesses processos, os órgãos ambientais estão mais preocupados com a defesa do meio ambiente do que com aspectos formais de defesas de processos administrativos”, afirma.