Boas práticas de funcionamento para as Comissões Internas de Biossegurança: garantindo eficiência e evitando riscos legais.
Um dos instrumentos criados pela legislação brasileira de biossegurança para assegurar o desejável equilíbrio entre o estímulo à biotecnologia e a proteção à vida e ao meio ambiente são as Comissões Internas de Biossegurança (CIBios). De acordo com a Lei Federal nº11.105/2005, para que uma instituição possa desenvolver atividades com OGMs e seus derivados, o primeiro passo é constituir uma CIBio, grupo formado por pelo menos três especialistas cuja missão é monitorar e supervisionar tais atividades, garantindo a sua conformidade com a legislação vigente e com as melhores práticas disponíveis.
Justamente pela importância da missão que desempenham, o funcionamento inadequado das CIBios pode gerar riscos operacionais e legais para a entidade que supervisionam e para os seus membros. A legislação estabelece, por exemplo, que a não conformidade da CIBio com as suas obrigações junto à CTNBio pode resultar na suspensão do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) da entidade – que é a licença que permite o desenvolvimento de atividades com OGMs e derivados – até que as pendências sejam sanadas.
Além disso, eventuais problemas no funcionamento da CIBio podem gerar também riscos pessoais para os seus membros, especialmente porque a legislação brasileira é rigorosa e prevê pesadas sanções criminais por seu descumprimento, podendo atingir não apenas as pessoas jurídicas, mas também as pessoas físicas envolvidas.
Não há um manual universal para o funcionamento das CIBios, até mesmo porque as realidades e as demandas de cada entidade são distintas. De todo modo, algumas boas práticas consagradas durante esses quase 20 anos de vigência da Lei de Biossegurança podem ser destacadas:
Governança: é desejável que as CIBios regulem o seu funcionamento por meio da edição de um Regimento Interno ou de um documento equivalente que aborde pelo menos questões como o número de membros, a definição de suas atribuições, a periodicidade e formato de suas reuniões (respeitado o mínimo legal), a forma de convocação, o processo de deliberação, os poderes e deveres do presidente e dos demais membros (ex. secretário), as substituições em caso de ausência e o formato para documentação e arquivamento das decisões. Além disso, é importante que esse regimento efetivamente seja observado na prática, não se tornando simples peça decorativa, e que seja atualizado quando necessário.
Capacitação constante dos membros da CIBio: os membros da CIBio devem ser continuamente capacitados para o desempenho de suas funções. Além das competências técnicas que usualmente acompanham a formação acadêmica desses profissionais, eles também deverão conhecer em profundidade a regulamentação específica sobre OGM (leis, decretos, resoluções da CTNBio etc.) e os procedimentos internos da própria instituição relacionados ao tema. Essa capacitação técnica e jurídico-regulatória deve ser constante, dada a evolução da ciência e da regulação, e pode contar inclusive com especialistas convidados quando conveniente, documentando-se a realização de cursos, palestras e treinamentos. Vale lembrar que as instituições que operam com OGMs têm o dever legal de promover a capacitação das suas CIBios, aspecto que pode ser invocado para garantir o apoio interno necessário par tanto.
Treinamentos adequados e suficientes para os colaboradores: a legislação exige que as atividades e projetos com OGMs e seus derivados somente sejam realizados por pessoas com treinamento prévio em biossegurança. Por esse motivo, é importante que a CIBio não apenas garanta que este treinamento seja realizado periodicamente, mas também que o seu conteúdo seja adequado e constantemente atualizado. A preocupação com a qualidade do treinamento está refletida na Resolução Normativa nº 37/2022 da CTNBio, a qual passou a exigir que se registre, no mínimo, o conteúdo ministrado aos participantes, o responsável pelo treinamento e a carga horária. Assim, deve-se evitar a realização de treinamentos rasos e genéricos que não forneçam as informações mínimas necessárias para o desenvolvimento de atividades com OGMs e derivados.
Procedimentalização: a criação de procedimentos operacionais padrões (POPs) é uma boa prática administrativa incorporada pela maior parte das organizações, especialmente para temas sensíveis. Os procedimentos garantem a uniformidade do comportamento, reduzindo as chances de erro e aumentando a previsibilidade do resultado. É recomendável que as CIBios trabalhem para que a organização possua procedimentos completos, adequados e compreensíveis para as atividades com OGMs e derivados. Além disso, esses procedimentos devem ser informados para os membros da organização, inclusive aqueles que ingressem após a sua elaboração, e estar disponíveis para consulta. Por exemplo, quando um novo profissional de laboratório que trabalhará com OGMs for contratado pela empresa, deve-se assegurar que ele seja formalmente cientificado e integrado aos procedimentos relevantes antes de dar início às suas atividades, além de passar por treinamento. Tudo isso deve ser documentado.
Desenvolvimento de planos de contingência: uma das principais responsabilidades das CIBios é a de estabelecer protocolos claros para responder a incidentes biotecnológicos, reduzindo o impacto de eventuais falhas operacionais ou de eventos não previsíveis ou controláveis. Assim, é recomendável que a CIBio aprove e dê ciência desses planos a todas as pessoas da organização que possam ser envolvidos em seu acionamento e/ou execução.
Preparação para o atendimento à fiscalização: as atividades com OGMs e derivados podem e devem ser fiscalizadas pelas autoridades competentes. Atualmente, o IBAMA e o MAPA desempenham este papel, realizando vistorias in loco com ou sem aviso prévio. Para garantir o adequado recebimento dessas autoridades e a apresentação das instalações, atividades e informações solicitadas, é desejável que se designe um grupo de profissionais aptos a desempenhar essa tarefa em todos os locais que possam ser objeto de fiscalização. Como ela pode ocorrer inclusive sem aviso prévio, essa preparação deve ser constante e, se possível, com redundância na equipe responsável, de modo que suplentes possam suprir a ausência de determinados membros.
Inspeções internas: As CIBios devem realizar no mínimo uma inspeção anual das instalações incluídas no CQB para assegurar o cumprimento dos requisitos e dos níveis de biossegurança exigidos, mantendo o registro de sua realização, das recomendações feitas e das ações decorrentes. É importante que formulários padronizados sejam utilizados para a realização dessas inspeções e que haja um acompanhamento efetivo da implementação das recomendações.
Condições adequadas de funcionamento: A legislação exige que as instituições reconheçam a autoridade das suas CIBios e assegurem o suporte necessário para que elas cumpram as suas obrigações legais e tenham as suas recomendações implementadas. Assim, cabe a elas demandar formalmente aos tomadores de decisão os recursos humanos e/ou materiais necessários para tanto, a fim de demonstrar o cumprimento do seu dever de diligência. Se necessário, pode-se também demandar a intervenção das lideranças da entidade para que a sua autoridade seja respeitada em caso de resistência ou mora injustificável no cumprimento das recomendações.
A equipe Ambiental e Regulatória da Nascimento e Mourão Sociedade de Advogados se coloca à disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema.
João Emmanuel Cordeiro Lima | joaoemmanuel@
Sócio Sênior da área de Direito Ambiental e Regulatório.