Publicação do Portal Conjur sobre Direito ao esquecimento e desindexação de conteúdo.
Por Pedro Montanher
O direito ao esquecimento é um tema sensível por natureza, haja vista a pretensão daqueles que o evocam, que querem sepultar da memória geral fatos considerados como ultrapassados e que não produzem, ou não deveriam produzir, mais qualquer efeito à vida de seu protagonista. Mais do que tudo, são fatos cujo interesse público, se um dia existiu, há muito já não interessa a mais ninguém. São legítimos fantasmas nas vidas de quem os carreia, à semelhança de uma sentença perpétua, cujos portadores estão sempre em estado de alerta com a potencial repercussão, que só lhe fará mal.
A despeito dos adjetivos todos usados no parágrafo anterior para a caracterização do interesse daquele que quer ter reconhecido seu direito ao esquecimento, no plano objetivo parece bastante razoável admitir que um direito desta grandeza teria lugar em qualquer sistema jurídico.
Na Europa a questão ganhou bastante destaque por ocasião do julgamento do caso González. Mario Costeja González é um cidadão espanhol que teve publicado o leilão de imóvel decorrente de um arresto com vista à recuperação de dívidas à securidade social espanhola. A publicação ocorrera em 1998 e mesmo muitos anos depois de o processo todo ter se resolvido, os buscadores de pesquisa ainda vinculavam tal fato, com absoluta impertinência, ao Sr. Gonzalez.
Em 2009 iniciou-se a cruzada de Mario Costeja González com o objetivo de ver superada a associação de seu nome com a notícia do leilão de seu imóvel, que muito lhe incomodava. O caso chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia que, em 2014, que decidiu pelo direito do peticionante espanhol nos seguintes termos:
“Tratando‑se de uma situação (…) que diz respeito à exibição, na lista de resultados que o internauta obtém ao efetuar no Google Search uma pesquisa a partir do nome da pessoa em questão, (….) vinculada a anúncios que mencionam o nome dessa pessoa relacionada a uma venda de imóveis em hasta pública decorrente de um arresto com vista à recuperação de dívidas à Segurança Social, há que considerar que, tendo em conta o caráter sensível, para a vida privada dessa pessoa, das informações contidas nesses anúncios e o fato de a sua publicação inicial remontar há 16 anos, a pessoa em causa tem comprovadamente direito a que essas informações já não sejam associadas ao seu nome (…). Por conseguinte, (…) não parece haver razões especiais que justifiquem um interesse preponderante do público em ter acesso a essas informações no âmbito dessa pesquisa (…)”.
No Brasil o direito ao esquecimento teve capítulo jurídico importante por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.010.606/RJ pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2021. É certo que o caso González europeu e a demanda julgada no RE nº 1.010.606/RJ têm suas diferenças factuais. Aqui, a pretensão era dos familiares de vítima de crime brutal na década de 50 de não serem obrigados a tolerar a exploração televisiva de fato doloroso à família, que fatalmente traria à tona sentimentos indesejados do passado.
O caso tupiniquim, RE nº 1.010.606/RJ, foi relatado pelo ministro Dias Toffoli, que definiu a demanda em julgamento como sendo “a pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtuais, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante”.
A conclusão do relator e do STF, por maioria, foi no sentido de que “a previsão ou aplicação do direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão. Um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisa estar previsto em lei, de modo pontual, clarividente e sem anulação da liberdade de expressão”.
O comportamento dos demais tribunais pátrios indicam que o direito ao esquecimento, em que pese o julgado do STF em sede de repercussão geral, ainda está longe da maturidade necessária à pacificação do tema. Tanto é assim que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao revisitar o Recurso Especial nº 1.660.168 (em razão da repercussão geral do julgado do STF) — que em 2018 garantiu a uma promotora de Justiça que seu nome fosse desvinculado do tema “fraude em concurso para juiz” em resultados de pesquisas na internet —, manteve a decisão por apertada maioria (3×2, em julgamento ocorrido aos 21 de junho de 2022).
Para os ministros do STJ que mantiveram a decisão em comento, o direito ao esquecimento negado pelo STF não se confunde com desindexação de conteúdo, pretensão, desta feita, mais próxima daquela que definiu o emblemático caso González no judiciário europeu.
Vale dizer que muitos nuances do direito ao esquecimento ainda precisam ser mais bem delineados pelos tribunais brasileiros. Por enquanto, as decisões que se destacam entre os tribunais superiores indicam uma recalcitrância à admissão do lugar genuíno do direito ao esquecimento em nosso ordenamento, ao mesmo tempo em que admitem a desindexação de conteúdo de irrelevante ou superado interesse público nos buscadores da internet.
Pedro Montanher é sócio da área de Direito Penal Ambiental e Consultivo do escritório Nascimento e Mourão Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2022, 20h44
https://www.conjur.com.br/2022-ago-16/pedro-montanher-direito-esquecimento-desindexacao