Prática comum entre os estabelecimentos que atuam no comércio eletrônico é a precificação dinâmica, que consiste em cobrar preços distintos para o mesmo produto, de acordo com o perfil do consumidor que faz a consulta no site do estabelecimento ou de acordo com a demanda do momento em que tal consulta é feita ou até mesmo conforme o equipamento utilizado pelo consumidor para fazer a consulta.
É impossível listar de modo exaustivo o número de variáveis que podem influenciar no preço de um produto vendido via comércio eletrônico. O alto potencial de variação dos fatores que influenciam o preço e a rapidez com que os fornecedores do comércio eletrônico têm acesso a essas variações desafiam o legislador e o operador do Direito, apresentando todos os dias situações nunca imaginadas no (já ultrapassado) mercado off-line.
É, portanto, de grande relevância a análise desses novos fenômenos mercadológicos, a fim de se verificar se, na forma como se apresentam, eles afrontam direitos dos consumidores. Esta análise revela que a resposta não é única e tampouco simples.
A prática da precificação dinâmica em função da variação da demanda não importa, necessariamente, afronta aos direitos do mercado consumidor. Desde que o consumidor seja claramente informado sobre a variação do preço de acordo com a demanda pelo produto ou serviço, não nos parece haver problemas.
Assim já decidiu o Judiciário fluminense, em decisão relacionada à tarifação dinâmica praticada por aplicativo de transporte urbano. Ali entendeu-se que se tratava da conhecida lei da oferta e da procura. Quando a demanda é maior, o preço da corrida pelo aplicativo aumenta. Quando é menor, cai. Esta variação não é, por si só, ilegal. Contudo, o ordenamento jurídico exige que o consumidor seja informado de forma clara sobre essa dinâmica de precificação e que, ao entrar no veículo, ele saiba que estará sujeito a mudanças no preço da corrida. Respeita-se, assim, os princípios da transparência e da informação¹ .
O mesmo se aplica a variações relacionadas a quantidade de produtos disponíveis para venda. Estoques cheios permitem preços mais baixos, enquanto estoques vazios autorizam a elevação dos preços. Os aumentos do preço dos combustíveis durante a greve dos caminhoneiros, que impactou o abastecimento dos postos, é exemplo “offline” de preço dinâmico atrelado ao estoque. Trata-se, novamente, da lei da oferta e da procura e, desde que as informações estejam claras para o consumidor, não há, em princípio, ilegalidade.
O cenário ganha contornos mais complexos, contudo, quando se verifica a precificação dinâmica em função do perfil do consumidor individualmente considerado ou do equipamento pelo qual este consumidor está fazendo a consulta do preço.
Um exemplo: determinado consumidor acessa o site de uma loja eletrônica por um smartphone de última geração (e de elevado valor de mercado) e vê certo produto vendido por R$100,00 (cem reais). Outro consumidor consulta o mesmo produto no mesmo website, mas o faz usando um smartphone simples (e, portanto, mais barato). Para este consumidor, o preço do produto é R$97,00 (noventa e sete reais).
Ou exemplo: consumidores A e B acessam determinada loja eletrônica e fazem seus “logins” nesta loja. Com acesso a informações a respeito das preferências destes consumidores, do valor médio dos produtos por eles adquiridos, das formas como efetuam os pagamentos, o estabelecimento define preços e condições de pagamento distintas, para o mesmo produto, para cada um deles.
Ao contrário da precificação dinâmica relacionada apenas à lei da oferta e da procura, esta precificação cada vez mais individualizada encontra obstáculo no direito básico de igualdade de contratação e no princípio da isonomia, que tutelam o mercado consumidor (artigo 6º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor e 5º caput, da Constituição Federal, respectivamente)².
A atribuição de preços distintos para o mesmo produto encontra obstáculo, também, no princípio da informação e pode caracterizar infração ao direito básico do consumidor à informação, conforme artigo 9º, inciso VII do Decreto 5.903/20063.
De outro lado, há os princípios da liberdade econômica, livre concorrência e livre iniciativa, que, num exame preliminar, autorizariam a precificação dinâmica sem grandes reservas.
Naturalmente, direitos fundamentais e princípios como os da isonomia, informação, liberdade econômica, livre concorrência e livre iniciativa permitem flexibilizações. Essas flexibilizações, por sua vez, devem ser proporcionais e harmônicas, de modo a proteger o bem jurídico que se mostrar mais valioso em cada caso.
Não há receita ou fórmula pré-estabelecida. A medida do razoável e do proporcional é definida casuisticamente. Nem poderia ser diferente, sob pena de se engessar por completo as relações de mercado.
O Direito, como se sabe, é vivo. As normas nascem, morrem, se reinventam e se reafirmam de acordo com as mudanças dos hábitos, dos costumes e das relações humanas.
Se de um lado o advento da tecnologia traz soluções inegáveis para problemas até então insolúveis, traz também novos problemas, que desafiam não só legislador e o operador do Direito, mas todos os indivíduos, na condição de integrantes de uma sociedade que está em constante mutação e que, portanto, apresenta novas demandas a cada minuto.
A precificação dinâmica não é prática inédita. Na verdade, é prática que remonta ao início das atividades comerciais. No entanto, com o desenvolvimento tecnológico, mostra-se hoje mais potencializada do que nunca. Se antes se dinamizava o preço conforme perfis coletivos (idade, classe social, profissões), hoje se dinamiza o preço conforme o indivíduo. É a maximização da individualização do preço que, sem dúvida veio para ficar e estará cada vez mais presente.
Enquanto o legislador não estabelecer normas mais específicas a respeito do tema, cabe ao operador do Direito, especialmente aos advogados, regular as relações comerciais eletrônicas, elaborando contratos (e-contracts) que sejam cada vez mais completos e contemplem, na medida do possível, a complexidade das relações comerciais estabelecidas eletronicamente.
1 Juizado Especial Cível de Queimados Rio de Janeiro – RJ – Recurso Inominado nº 0009508-65.2017.8.19.0067 – julgado em 06/03/2018.
2 “Art. 9 o Configuram infrações ao direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei no 8.078, de 1990, as seguintes condutas:
(…)
VII – atribuir preços distintos para o mesmo item; e
(…)”
Wanessa Magnusson | wanessa@nascimentomourao.adv.
Sócia coordenadora da Área de Contencioso de Volume, especialista em direito do consumidor
Este texto é meramente informativo e não configura orientação jurídica a uma situação concreta, que deve ser individualmente avaliada.