Períodos de crise econômica são terreno fértil para o surgimento de problemas relacionados ao inadimplemento obrigações contratuais, especialmente de contratos cuja execução se estende no tempo. Um contrato que reflete a variação da saúde financeira do mercado de consumo é o contrato de consórcio.
Num cenário de economia saudável, o consumidor tem segurança para aderir a um contrato de longa duração, como o contrato de consórcio, e pode até mesmo fazê-lo a título de investimento. O problema nasce quando, após passar meses pagando as parcelas do consórcio, o consumidor perde capacidade de pagamento e acaba inadimplindo suas obrigações, o que leva à rescisão do contrato e a sua exclusão do grupo.
Uma das primeiras providências tomadas pelo consumidor que tem seu consórcio cancelado é solicitar a devolução dos valores pagos. É neste momento que o consumidor se depara com uma resposta que normalmente o desagrada: A restituição dos valores pagos será feita apenas se o consumidor (agora ex-consorciado) for sorteado ou, se não for sorteado, apenas após o fim do grupo de consórcio onde estava inserida a cota cancelada. Ainda que esta não seja a resposta esperada, a devolução dos valores pagos apenas nestes dois momentos (sorteio ou a após o fim do grupo) é medida que atende ao interesse dos próprios consorciados (e, portanto, dos consumidores).
O papel da administradora de consórcios é, como o próprio nome explica, administrar os recursos angariados por um grupo de pessoas (os consorciados) que têm por objetivo obter recursos para adquirir determinado bem. Cada consorciado paga uma parcela mensal e, durante o prazo de duração do grupo, os consorciados vão sendo contemplados (por sorteio ou por lance), o que lhes permite fazer uso de parte dos valores pagos pelo grupo para adquirir o bem desejado.
Até o fim do grupo, todos os consorciados terão recebido o valor do bem desejado (por carta de crédito ou em dinheiro). Os valores pagos pelos consorciados não são pagos em favor da administradora de consórcios, mas sim em favor do grupo de consórcio, composto pelas pessoas que aderiram ao plano. A administradora, portanto, não experimenta vantagens com a retenção dos valores pagos pelo ex-consorciado até seu sorteio ou até o fim do grupo.
Por que, então, essa retenção de valores acontece?
Mesmo tendo seu contrato de consórcio rescindido, o ex-consorciado permanece no grupo para fins de sorteio. Se ele for sorteado, naturalmente, ele não terá direito à carta de crédito no valor do bem desejado (já que seu contrato foi rescindido), terá direito exatamente à devolução do que tiver pago, descontados os valores previstos no contrato (taxas de administração e outras rubricas). A devolução dos valores apenas se houver o sorteio do ex-consorciado visa proteger os interesses do próprio grupo.
Esse mecanismo evita desembolsos não planejados, que podem prejudicar a saúde financeira do grupo e a execução do contrato, podendo até mesmo inviabilizar o atingimento do objetivo maior do consórcio, que é a disponibilização do crédito aos consorciados. Se o ex-consorciado for sorteado, a restituição dos valores a que ele tem direito não afetará a saúde do grupo, pois representará apenas a execução regular do consórcio. Se o ex-consorciado não for sorteado, a restituição será feita apenas ao final do grupo, quando todos os consorciados já tiverem sido contemplados e, portanto, quando não houver mais risco de as restituições dificultarem ou mesmo frustrarem o objetivo principal do consórcio.
Entendida a dinâmica do consórcio, fica claro que a devolução dos valores apenas no momento de eventual sorteio do ex-consorciado ou ao fim do grupo tem por objetivo proteger a saúde do grupo e, em última análise, o interesse da cada consorciado. Não se trata, assim, de medida que fere os interesses dos consumidores. Pelo contrário, protege estes interesses, na medida em que evita que o direito à contemplação e aproveitamento do crédito venha a ser frustrado pelo desembolso desregrado de valores durante a execução do consórcio.
Wanessa Magnusson | wanessa@nascimentomourao.adv.
Sócia coordenadora da área de Contencioso de Volume, especialista em direito do consumidor