‘’Brasil evolui, mas continua longe das metas para a biodiversidade.’’ Publicação do Valor Econômico, em sua versão online e impressa, contou com os comentários do Sócio Sênior João Emmanuel Cordeiro Lima.
Brasil Evolui, mas continua longe das metas para a biodiversidade
Terras ainda não destinadas na Amazônia serão determinantes em relação à capacidade de o Brasil atingir objetivos assumidos
Por Ricardo Ivanov
A COP16 terminou com resultados aquém do esperado. Mas, afinal, em que pé está o país em relação às diretrizes do Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF), criadas na conferência anterior, em 2022, consideradas um enorme avanço para a biodiversidade? “Ainda muito distantes das metas”, diz Rafael Feltran-Barbieri, economista e biólogo, que atua na equipe de floresta e clima do instituto WRI Brasil, liderando análises econométricas fundamentadas na economia agrícola e meio ambiente, além de projetos de restauro, infraestrutura natural e economia do clima.
“Temos pouco mais de 22% do território formalmente protegido – descontando terras indígenas -, e em bastante desequilíbrio, com boa representatividade da Amazônia e pouco nos demais biomas. Além da necessidade de ampliar essas áreas para o cumprimento das metas, é relevante protegê-las, de fato”, diz Barbieri.
O MapBiomas, projeto colaborativo que une ONGs, universidades e startups de tecnologia e que faz um mapeamento anual da cobertura e uso da terra, além do monitoramento mensal da superfície de água, vem mostrando que os maiores desmatamentos e degradação, especialmente por fogo e extração de madeira, ocorrem em áreas não destinadas e unidades de conservação.
Outras metas, que não dependem exclusivamente do Brasil, mas de acordos multilaterais, como o financiamento para conservação e restauração, estariam muito longe dos objetivos, sendo difíceis, inclusive, de serem medidas, de acordo com dados atuais.
O Brasil, país mais biodiverso do mundo, também partiu para a COP16 sem sua Estratégia e Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade (Epanb), aprovada internamente depois de dois anos de conversas entre ministérios e sociedade civil, sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A ferramenta de gestão da Epanb está em processo de atualização – ou seja, parada -, segundo o MMA.
O atual governo retomou a criação de terras indígenas. Novas unidade de conservação foram instituídas, assim como houve a ampliação das existentes, tanto no âmbito federal quanto jurisdicional, como o caso do Pará. Mas o desafio ainda é grande.
“Pouco antes da COP16, o governo brasileiro divulgou um relatório indicando que o MMA, por meio de suas secretarias e órgãos vinculados, gerou cerca de 150 entregas estratégicas entre janeiro de 2023 e outubro de 2024”, diz João Emmanuel Cordeiro Lima, advogado especializado em direito ambiental, regulatório e minerário. “Essas entregas estariam associadas a todas as 23 metas da Convenção Sobre Diversidade Biológica e evidenciariam os avanços e contribuições do Brasil.”
Entre as ações destacadas estão a criação e ampliação de unidades de conservação federais, como a do Parque Nacional da Serra do Teixeira, bioma de caatinga com área de 61 mil hectares na Paraíba; da Floresta Nacional do Parima, região de 109 mil hectares com bioma amazônico em Roraima; da ampliação para 4 mil hectares da Reserva Extrativista Chocoaré, no Mato Grosso, com sistema costeiro-marinho e amazônico; e da ampliação para 214 mil hectares do Parque Nacional do Viruá, em Roraima, entre outras.
Barbieri diz que esse aumento de 620 mil hectares é relevante, mas adiciona menos de 0,1% em termos de cumprimento da meta de conservação de 30% dos ecossistemas. Ele destaca que é preciso um olhar especial para a Caatinga e o Cerrado. “As metas do Marco Global são arrojadas e a implementação nesses dois primeiros anos tem sido insuficiente. Ainda há muito a ser feito”, diz Lima.
O Observatório da Restauração e Reflorestamento aponta que existem hoje perto de 150 mil hectares em projetos de restauração, somados aos dados do MapBiomas, com 39 milhões de hectares de vegetação secundária no mesmo processo regenerativo. Isso, em tese, garantiria o cumprimento de três metas do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), instituído nacionalmente em 2017 para fortalecer políticas públicas de boas práticas agropecuárias, com incentivos financeiros e outras medidas – ele tem como objetivo alcançar 12 milhões de hectares em 2030. “Mas a falta de garantia de que essa vegetação continuará de pé não permite contabilizá-la como componente da meta”, diz Barbieri.
Na Amazônia, as terras não destinadas serão o “fiel da balança” que determinarão se o Brasil será capaz de cumprir suas metas. Elas representam hoje quase 50 milhões de hectares. “Se destinadas à proteção e a novas terras indígenas, elas garantirão o cumprimento da meta no bioma. Se continuarem vulneráveis à grilagem e à degradação, nos conduzirão ao colapso climático por atingir o ponto de não retorno”, diz Barbieri.
No restante do país, a quase ausência de terras não destinadas colocaria um enorme desafio para o Código Florestal. A legislação brasileira tem a Lei 6.938, de Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, que contém os princípios fundamentais para uma política ambiental de amplitude nacional. “Ela cumpre suas finalidades até hoje. Mas é preciso levá-las à prática”, diz Paulo Affonso Leme Machado, advogado, promotor aposentado e autor do livro “Direito Ambiental Brasileiro”.
Para Machado, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) precisa atuar como um fiscal maior, mostrando falhas de atuação do governo federal. “Houve avanço em certo setor de legislação ambiental, mas também retrocesso. Como progresso, cito a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, e, como revés, a Lei de Agrotóxicos. Sem uma fiscalização cívica constante e verdadeira, a legislação ambiental, por melhor que seja, fica inoperante.”
Os mecanismos de monitoramento e a mobilização por recursos necessários são importantes para o Brasil dar passos significativos adiante. A legislação brasileira de acesso à biodiversidade tem o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SISGen) como uma de suas espinhas dorsais. É por meio dele que os usuários de biodiversidade brasileira conseguem cumprir as obrigações exigidas pela lei nacional de informar sobre as suas pesquisas com biodiversidade e indicar os produtos que desenvolveram.
Para atingir suas metas, o custo Brasil anual seria entre R$ 5 e 7 bilhões, segundo especialistas. “É um valor baixíssimo se compararmos apenas com os serviços ecossistêmicos promovidos pela vegetação nativa, como proteção do solo, polinização, regulação climática e irrigação pluvial. Esses serviços somam entre R$ 12 a 20 bilhões anuais, que beneficiam particularmente a agropecuária”, diz Barbieri.
Revista Valor Econômico, 8 de novembro de 2024, 05h04